sábado, 24 de novembro de 2007

Conto



(Antes... explicação previa: O conto não foi escrito por mim... e sim para mim!)

Aliocha arranjara um jeito de escapar dos livros. Um passe de mágica, um feitiço antigo, não se sabe como. Mas ele arranjara um jeito de escapar. E, agora, andava pelas ruas de Moscou, tentando se encontrar.

Ele ouvira falar da libertação de Katrina. Também ela não estava mais presa às letras. Um passe de mágica, um feitiço antigo, não se sabe como. Mas Katrina já andava, solta, pelas esquinas de Moscou há pelo menos dez meses. E isto não podia ser coincidência.

Encontraram-se, um dia, numa biblioteca. Aliocha via Katrina, mas não a reconhecia. Talvez sua memória tivesse ficado presa numa orelha encardida de livro velho. Mas ele não precisava reconhecê-la. O encanto foi o bastante.

Katrina também era iniciada nos mistérios do monastério, mas era muito dona de si para se enquadrar em normas com as quais não concordava. O curioso é que Katrina dizia ser uma mulher da lei, e que as normas só devem ser alteradas por quem de direito. Ou a lógica não fazia sentido no mundo dos personagens que escapam da ficção, ou ela é quem era a autoridade de direito em questão, ou apenas discordava pelo prazer de discordar. O diabo é que Katrina ficava linda quando discordava. Na verdade, Aliocha descobrira muito cedo, Katrina ficava linda de qualquer jeito.

Aliocha, que antes ia à biblioteca para continuar seus estudos, passou a freqüentá-la na esperança de rever Katrina. Afinal de contas, de que valiam tantos livros à mostra se logo ali, em frente, estava aquela mulher? Katrina era inteligente. O jovem russo perguntava-se, vez por outra, se havia algo que ela não soubesse. É óbvio que havia. Mas ele gostava de imaginá-la como um daqueles livros em francês, que se importavam do sul de Paris. Cheia de mistérios a serem descobertos. Página a página.

Num outro dia, após as idas e vindas livrescas, Aliocha convidou Katrina para almoçarem juntos. E ela aceitou. E eles lá se foram. E, enquanto ela discorria sobre teorias do fim do mundo, o fracasso de Danton e a febre recorrente do czar, ele ria-se por dentro. De prazer. E, enquanto ele repetia as mesmas piadas velhas de monge, ela também sorria. Só que para fora mesmo. E Aliocha delineava, traço a traço, em sua retina, o sorriso de Katrina. E fixava-se em seu olhar, também.

O olhar de Katrina merecia um parágrafo à parte. Seus olhos eram negros, como num poema de Joukovsky. Corria, à boca miúda, uma lenda sobre eles. Teria sua mãe sussurrado um encanto das estepes, quando ainda estava de barriga, com o intuito de que sua filha nascesse com o olhar enfeitiçado. Não era, pois, à toa a devoção da mãe de Katrina por seus olhos. E nem sem sentido o hábito, já desde a tenra infância, de se cultivar uma franja sobre o olho esquerdo. Esquerdo, como é próprio das bruxas. Uma coisa, porém, é certa: Aliocha não precisou conhecer a lenda para ter a certeza, de imediato, sobre o feitiço no olhar de Katrina.

Em noite de chuva, lua escondida, Aliocha e Katrina passearam pelas ruas e esquinas de Moscou. Juntos. E deitaram a falar, passo a passo, sobre todos os assuntos do universo. Sobre como escaparam, sem saber, do mundo dos livros. E sobre que magia fascinante resultaria da mestiçagem entre germânicos e índios americanos. Não foram poucas as vezes em que Aliocha se perguntou porque passara tantos anos sem esta surpresa. E compreendeu, de súbito, a guerra entre Dimitri e Ivan.

Katrina não dizia sim. Sorria, ralhava (mais ralhava que sorria), mas não dizia sim. Derramou diante de Aliocha, como óbice, seus votos monásticos ainda não desfeitos. Mas que diabos, pensava o jovem, que diabos! Aliocha já deixara de ser monge há muito tempo. Mesmo quando ainda recitava as orações, num eslavo esquecido, aos pés de mestre Zózima.

Aliocha lhe pedia um beijo, mas Katrina não dizia sim. Ele beijou seu rosto. Mas Katrina não dizia sim. Ele o fez de novo, e de novo, e de novo. Ousou enfrentar o medo do feitiço e beijou-lhe o olho (e carrega a impressão deste olho em sua boca até este exato momento – é o que dizem). Mas Katrina, insistente, não dizia sim. E foi aí que Aliocha sorriu. Sorriu porque já tivera, ainda que por segundos, a pele de Katrina em seus lábios. E, como mestre Zózima, em transe místico, sempre dizia, sábio é quem espera. Concordo, pensou Aliocha, ma non troppo.

Cedo, cedo, pouco tempo fora dos livros, Aliocha percebeu que mestre Zózima não era tão sábio quanto parecia. E ali, no compasso inevitável das horas, na espera nervosa pela carruagem, na água de chuva a molhar rostos, cabelo e almas, um beijo furtivo nasceu. Construído aos poucos, entretecido de respiração e toque, cresceu em silêncio. E naquele exatíssimo instante, Aliocha descobriu que havia uma diferença entre o mundo de dentro e o de fora dos livros. O mundo exterior possuía muito mais histórias a serem contadas. E, de novo, naquele exatíssimo instante, com sua Katrina frente a ele, em terra molhada, Aliocha decidiu que não voltaria à Moscou das letras. Já passara o tempo de ser personagem. Era preciso escrever sua própria história.

(Christian Bitencourt)

Sub Rosa


Antes de tudo.....


A explicação para o nome do Blog:

Cruz Sub Rosa seria a cruz debaixo de segredos.

Mas explico os termos em separados primeiro:

Sub rosa: Designa aquilo que é secreto ou confidencial; privativo.
A expresão Sub rosa vem do Latim, literalmente "debaixo da rosa," pela antiga associação da rosa com a confidencialidade.Na Grécia, dizia-se que Eros teria dado uma rosa a Harpócrates, deus do silêncio, para fechar-lhe os lábios, a fim de que nada dissesse a respeito dos amores de Afrodite.

A Cruz: Essa é o simbolo do cristianismo.... aquela sobre a qual Jesus foi pregado e que posteriomente tornou-se o símbolo mais usado pelo cristianismo.

A cruz sob rosa seria (por associação obvia!) o silêncio da religião. Aquilo que não se fala... por medo, por hábitos araigados ou por vergonha de afetar alguma tradição. A cruz sub rosa significa ainda que o relacionamento de cada um com Deus é pessoal, intransferível e confidencial.


(PS.: A foto do post é a minha "Cruz sub rosa")
(Béria Lima)