domingo, 31 de maio de 2009

Canção

Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.

Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.

Eugénio de Andrade
Poema "Canção" do livro As Palavras Interdidas (1951)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Busca Silenciosa

Trago a vós um poema belíssimo que me foi mostrado pelo próprio autor, que prefere ficar anónimo.
    Amor,
    quão belo é esse sorriso
    que guardas dentro de ti
    que de tão leve,
    tão doce,
    tão altivo
    faz os ceus e as terras estremecerem.

    Amor,
    qual a fonte de tanta simpatia
    que espalhas pela terra
    pelos mares
    pelos oceanos


    Numa ansia terrena
    almejo sentir
    sem medo, sem receio algum de cair
    somente
    para sentir o odor dessa bela rosa
    que guardas dentro de teu peito
    e que me faz prosseguir.


    Porque no fim,
    apenas escolhes-te o amor e uma rosa.

sábado, 23 de maio de 2009

Universe & U

Música do dia: "Universe & U" da KT Tunstall, lançada no álbum Eye to the Telescope em 2004. O vídeo está neste sítio e a tradução neste. Apreciem!

A fire burns, Water comes
You cool me down
When I'm cold inside
You are warm and bright

You know you are so good for me
With your child's eyes
You are more than you seem
You see into space
I see in your face
The places you've been
The things you have learned
They sit with you so beautifully

You know there's no need to hide away
You know I tell the truth
We are just the same
I can feel everything you do
Hear everything you say
Even when you're miles away
Coz I am me, the universe and you

And just like stars burning bright
Making holes in the night
We are building bridges

You know
When you're on your own
I'll send you a sign
Just so you know
I am me, the universe and you

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Despedida...

Povo de Orfalés, o vento leva-me a deixar-vos.

Sou menos apressado que o vento, no entanto devo ir.

Nós, os errantes, sempre em busca de caminhos solitários, não acabamos um dia onde o tivermos começado; e nenhum nascer do sol nos encontra onde o pôr do sol nos encontrou. Viajamos mesmo enquanto a terra dorme. Somos as sementes da planta perene; e é na maturidade do nosso coração e na sua plenitude que nos entregamos ao vento.

Breves foram os meus dias entre vós, e ainda mais breves as palavras que preferi. mas se acaso a minha voz desaparecer dos vossos ouvidos e o meu amor se desvanecer na vossa memória, então eu voltarei. Sim, eu voltarei com a maré, e, embora a morte me possa esconder e o grande silêncio envolver-me, na mesma procurarei a vossa compreensão. E não será em vão essa procura.

Vou com o vento, povo de Orfalés, mas não vou no vazio, e se este dia não é o preenchimento dos vossos desejos e do meu amor, então deixai que seja uma promessa para outro dia.

As necessidades do homem mudam, mas não o seu amor, nem o desejo de que o seu amor satisfaça as suas necessidades. Ficai a saber que, do grande silêncio, eu voltarei.

Eu dei-vos menos que uma promessa, e no entanto, fostes bem mais generosos comigo.Destes-me a minha mais profunda sede da vida. Não existe maior dádiva para um homem do que aquela que transforma todas as suas metas em lábios ardentes e a vida numa fonte. E é aqui que está a minha honra e a minha recompensa, pois quando eu vier beber à fonte encontrarei a água viva também sedenta; E beber-me-à enquanto eu a beberei.

Alguns de vós acharam-me orgulhoso e tímido para receber as vossas oferendas. Sou na verdade demasiado orgulhoso para receber dinheiro, mas não dádivas. E embora tenha comido bagas no meio das colinas, enquanto vós terieis preferido que me sentasse ao vosso lado, e dormido à porta do templo quando me teríeis acolhido de bom grado no vosso lar. No entanto, não foi o vosso carinhoso interesse pelos meus dias e pelas minhas noites que tornou os alimentos doces na minha boca e encheu o meu sono de visões?

Por tudo isto vos abençoo: Vós dais tudo sem saber que estais a dar. Na verdade, a bondade que se olha ao espelho transforma-se em pedra, e uma boa acção que se chama a si mesma belos nomes torna-se uma praga.

E alguns de vós chamastes-me distante, embriagado com a minha própria solidão, e dissestes, "Ele fala com as árvores da floresta mas não com os homens. Ele senta-se sozinho no topo das colinas e olha cá para baixo para a cidade." A verdade é que subi às colinas e andei por locais remotos. Como poderia ter-vos visto senão de uma grande altura ou de uma grande distância?

Como se pode estar perto se não se estiver longe?

Pois quando as minhas asas se abriram ao sol, a sua sombra na terra foi uma tartaruga. E eu, o crente, também fui o descrente; Muitas vezes coloquei o dedo sobre a minha própria ferida para ter mais fé em vós e maior conhecimento de vós.

Se estas forem palavras vagas não procureis clarificá-las. Vago e nebuloso é o inicio de todas as coisas, mas não o seu fim, e eu gostaria que me lembrasseis como um princípio.

É isto que eu gostaria que recordasseis quando vos lembrardes de mim: Que aquilo que parece mais fraco e débil em vós é o mais forte e mais determinado.

Adeus, povo de Orfalés.

Este dia chegou ao fim.

Fecha-se sobre nós como o nenúfar sobre o seu próprio amanhã. Aquilo que nos foi dado aqui, conservaremos, e se não for suficiente, então teremos de nos juntar novamente e estender as mãos ao doador. Não vos esqueçais que voltarei para junto de vós.

Adeus a vós e à juventude que passei convosco. Foi só ontem que nos encontrámos num sonho. Cantástes para mim na minha solidão, e dos vossos desejos construí uma torre no céu. Mas agora o nosso sono voou e o nosso sonho chegou ao fim e já não é aurora. O meio dia está sobre nós e o nosso meio despertar tornou-se pleno dia e devemos separar-nos. Se no crepúsculo da memória nos encontrarmos mais uma vez, voltaremos a falar e cantareis para mim uma canção mais profunda...


(extraído do livro "O Profeta" do autor libanes Khalil Gibran)