sexta-feira, 1 de maio de 2009

Despedida...

Povo de Orfalés, o vento leva-me a deixar-vos.

Sou menos apressado que o vento, no entanto devo ir.

Nós, os errantes, sempre em busca de caminhos solitários, não acabamos um dia onde o tivermos começado; e nenhum nascer do sol nos encontra onde o pôr do sol nos encontrou. Viajamos mesmo enquanto a terra dorme. Somos as sementes da planta perene; e é na maturidade do nosso coração e na sua plenitude que nos entregamos ao vento.

Breves foram os meus dias entre vós, e ainda mais breves as palavras que preferi. mas se acaso a minha voz desaparecer dos vossos ouvidos e o meu amor se desvanecer na vossa memória, então eu voltarei. Sim, eu voltarei com a maré, e, embora a morte me possa esconder e o grande silêncio envolver-me, na mesma procurarei a vossa compreensão. E não será em vão essa procura.

Vou com o vento, povo de Orfalés, mas não vou no vazio, e se este dia não é o preenchimento dos vossos desejos e do meu amor, então deixai que seja uma promessa para outro dia.

As necessidades do homem mudam, mas não o seu amor, nem o desejo de que o seu amor satisfaça as suas necessidades. Ficai a saber que, do grande silêncio, eu voltarei.

Eu dei-vos menos que uma promessa, e no entanto, fostes bem mais generosos comigo.Destes-me a minha mais profunda sede da vida. Não existe maior dádiva para um homem do que aquela que transforma todas as suas metas em lábios ardentes e a vida numa fonte. E é aqui que está a minha honra e a minha recompensa, pois quando eu vier beber à fonte encontrarei a água viva também sedenta; E beber-me-à enquanto eu a beberei.

Alguns de vós acharam-me orgulhoso e tímido para receber as vossas oferendas. Sou na verdade demasiado orgulhoso para receber dinheiro, mas não dádivas. E embora tenha comido bagas no meio das colinas, enquanto vós terieis preferido que me sentasse ao vosso lado, e dormido à porta do templo quando me teríeis acolhido de bom grado no vosso lar. No entanto, não foi o vosso carinhoso interesse pelos meus dias e pelas minhas noites que tornou os alimentos doces na minha boca e encheu o meu sono de visões?

Por tudo isto vos abençoo: Vós dais tudo sem saber que estais a dar. Na verdade, a bondade que se olha ao espelho transforma-se em pedra, e uma boa acção que se chama a si mesma belos nomes torna-se uma praga.

E alguns de vós chamastes-me distante, embriagado com a minha própria solidão, e dissestes, "Ele fala com as árvores da floresta mas não com os homens. Ele senta-se sozinho no topo das colinas e olha cá para baixo para a cidade." A verdade é que subi às colinas e andei por locais remotos. Como poderia ter-vos visto senão de uma grande altura ou de uma grande distância?

Como se pode estar perto se não se estiver longe?

Pois quando as minhas asas se abriram ao sol, a sua sombra na terra foi uma tartaruga. E eu, o crente, também fui o descrente; Muitas vezes coloquei o dedo sobre a minha própria ferida para ter mais fé em vós e maior conhecimento de vós.

Se estas forem palavras vagas não procureis clarificá-las. Vago e nebuloso é o inicio de todas as coisas, mas não o seu fim, e eu gostaria que me lembrasseis como um princípio.

É isto que eu gostaria que recordasseis quando vos lembrardes de mim: Que aquilo que parece mais fraco e débil em vós é o mais forte e mais determinado.

Adeus, povo de Orfalés.

Este dia chegou ao fim.

Fecha-se sobre nós como o nenúfar sobre o seu próprio amanhã. Aquilo que nos foi dado aqui, conservaremos, e se não for suficiente, então teremos de nos juntar novamente e estender as mãos ao doador. Não vos esqueçais que voltarei para junto de vós.

Adeus a vós e à juventude que passei convosco. Foi só ontem que nos encontrámos num sonho. Cantástes para mim na minha solidão, e dos vossos desejos construí uma torre no céu. Mas agora o nosso sono voou e o nosso sonho chegou ao fim e já não é aurora. O meio dia está sobre nós e o nosso meio despertar tornou-se pleno dia e devemos separar-nos. Se no crepúsculo da memória nos encontrarmos mais uma vez, voltaremos a falar e cantareis para mim uma canção mais profunda...


(extraído do livro "O Profeta" do autor libanes Khalil Gibran)

Um comentário:

Fred Xavier disse...

Achei que você não fosse ler "O Profeta"...

Confesso que fiquei surpreso...

Pra onde os ventos te levam agora? Não precisa dizer se não quiser...

Sinceros cumprimentos, apesar de tudo.